Lei Maria da Penha e o Ônus da Prova: A Importância de Evidências Concretas em Casos de Violência Doméstica
A Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, representa um marco na legislação brasileira, sendo o principal instrumento legal para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No entanto, a aplicação dessa lei, especialmente no que tange à comprovação dos crimes, gera debates cruciais no meio jurídico.
Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reacendeu a discussão sobre a necessidade de provas concretas para sustentar uma condenação, mesmo em casos amparados pela Lei Maria da Penha.
O Que Diz a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06)?
A Lei Maria da Penha não se limita a punir o agressor; ela estabelece um sistema de proteção integral à mulher. Seu Artigo 5º define a violência doméstica e familiar, e o Artigo 7º lista as cinco formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O grande diferencial da lei é a criação de mecanismos céleres de proteção, como as medidas protetivas de urgência, e a tipificação de crimes que, fora do contexto doméstico, poderiam ser tratados de forma mais branda.
O Desafio da Prova: A Palavra da Vítima e a Necessidade de Corroboração
Em casos de violência doméstica, muitas vezes praticada na intimidade do lar e sem testemunhas, a palavra da vítima assume um valor probatório fundamental. A jurisprudência brasileira reconhece a relevância do depoimento da ofendida, mas, como em qualquer processo criminal, ele não pode ser o único elemento para uma condenação. O princípio constitucional do devido processo legal e a presunção de inocência exigem que a acusação (Ministério Público) apresente um conjunto probatório robusto. É aqui que entra a questão do ônus da prova.
Quem Tem Que Provar é Quem Acusa
No direito penal brasileiro, o ônus da prova recai sobre a acusação. É o Ministério Público quem deve provar, de forma inequívoca, a materialidade (existência do crime) e a autoria (quem cometeu o crime).
A decisão do STJ, relatada pela ministra Marluce Caldas, que manteve a absolvição de um acusado em Manaus por falta de provas suficientes, reforça este entendimento. O tribunal superior concluiu que, embora a proteção da Lei Maria da Penha seja essencial, ela não pode dispensar o padrão mínimo de prova exigido para uma condenação criminal. Diante da dúvida razoável (in dubio pro reo), a absolvição é a medida correta.
Prova Material: Corpo de Delito, Marcas e Decisão Médica
Para crimes que deixam vestígios, como a violência física, a lei exige a realização do exame de corpo de delito, que é a perícia técnica realizada por médicos legistas para constatar a existência e a extensão das lesões.
O Corpo de Delito e Suas Exceções
O Artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto.
No contexto da Lei Maria da Penha, a jurisprudência tem flexibilizado essa exigência em situações específicas, admitindo que o exame de corpo de delito possa ser dispensado se houver outros elementos de prova que comprovem a agressão, como:
- Prontuários médicos e laudos de atendimento de saúde.
- Fotografias das lesões (desde que devidamente datadas e identificadas).
- Testemunhos de terceiros.
No caso julgado pelo STJ, a fragilidade das provas se deu justamente na falta de técnica: as fotografias não identificavam a vítima nem a data, e as mensagens não foram periciadas. A decisão médica (laudo pericial) é, portanto, a prova técnica mais forte, pois atesta as marcas da agressão e sua compatibilidade com o relato da vítima.
Os Problemas e a Repercussão da Exigência de Provas
A exigência de provas robustas, embora fundamental para a garantia da defesa, expõe um problema estrutural no combate à violência doméstica:
- Dificuldade de Denúncia: Muitas vítimas demoram a denunciar ou não conseguem produzir provas imediatas.
- Fragilidade da Prova: A ausência de um corpo de delito imediato ou a falta de perícia em provas digitais (mensagens, fotos) podem levar à absolvição.
- Revítimização: A vítima precisa reviver o trauma repetidamente durante o processo, e a absolvição por falta de provas pode gerar um sentimento de impunidade e descrença na Justiça.
A decisão do STJ não enfraquece a Lei Maria da Penha, mas serve como um alerta para a qualidade da investigação policial e a necessidade de capacitação de todos os agentes envolvidos (policiais, peritos, promotores e juízes) para a correta coleta e valoração das provas em um contexto tão sensível. A proteção à mulher deve caminhar lado a lado com as garantias processuais do acusado.
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